Nos próximos 20 anos, deputados e senadores deverão dedicar um esforço maior aos debates e à apreciação do Orçamento do que a forma como estão acostumados a fazer hoje. Nos cálculos da equipe econômica, caberá ao Legislativo o papel central sobre as decisões de como o Estado encolherá no período. Diminuir o tamanho da máquina pública é premissa essencial para afastar o risco de insolvência e a desconfiança sobre o futuro que pairam hoje no País e travam a retomada da atividade, como vem repetindo o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Falta combinar com os parlamentares, que precisam, antes de tudo, concordar com o enxugamento, e superar o tumulto causado pelos contínuos avanços da Operação Lava Jato, que provocaram a queda do terceiro ministro do governo Michel Temer, na semana passada, e respingaram no próprio presidente. Ficou a dúvida: até que ponto a instabilidade política pode refrear o enxugamento efetivo da setor público?
Na apresentação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita os gastos do governo pela inflação do ano anterior, na quarta-feira 15, Meirelles insistiu que tem pressa. "A urgência não é nossa, é da sociedade brasileira", afirmou. "Quanto mais rapidamente for votada essa proposta, mais rapidamente teremos a recuperação da economia, e isso envolve emprego e renda."
Principal ofensiva do governo para reverter a trajetória da dívida, a medida do teto foi detalhada por Meirelles. A proposta é de adotá-la por um período de 20 anos, com uma possibilidade de revisão no décimo ano. Ele esclareceu que o crescimento dos gastos com educação e saúde também estará sujeito ao teto da inflação passada e não mais a um percentual fixo da receita. Este tema é sensível para o governo, por enfrentar resistência de parlamentares e setores da sociedade civil, que temem perdas de qualidade nas áreas. Pelas regras vigentes, ambas as despesas seguem uma vinculação que assegura um mínimo de 33% do Orçamento, o que significou um avanço superior à inflação nos últimos anos. Mas isso não significa, necessariamente, redução dessas despesas. Os parlamentares terão a palavra final. Para que os recursos com saúde e educação continuem crescendo em termos reais daqui para frente, eles terão de cortar de outras áreas e abrir espaço para que o conjunto dos gastos fique dentro do limite, para evitar sanções como a proibição de novos concursos e de reajustes dos servidores.
Nos últimos anos, a atenção dos congressistas nas matérias orçamentárias esteve em boa parte focada na aprovação de emendas parlamentares e na checagem sobre as vinculações constitucionais, com pouco debate sobre o volume de recursos destinados para cada área. Uma das poucas exceções foi 2015, quando o então relator Ricardo Barros (PP-PR), hoje ministro da Saúde, sugeriu um corte de R$ 10 bilhões no Bolsa Família. A conjuntura também vinha ajudando, na medida em que os avanços na arrecadação escondiam eventuais desequilíbrios na alocação de recursos. Ao aumentar a concorrência pelas receitas, o limite de gastos força o debate no Congresso e na sociedade, uma necessidade que já vinha sendo apontada pelos especialistas em contas públicas.
O potencial da PEC para as finanças estatais é grande. Segundo cálculos da consultoria 4E, em dez anos, o percentual de despesas cairia dos 21% do PIB atuais para 15,9% do PIB, chegando a 12,2% ao final do período. O problema, porém, é que os impactos estão concentrados no médio e no longo prazos. Se nenhuma outra medida for tomada, a previsão é que as contas da União só voltem ao azul daqui a seis anos e a dívida comece a cair a partir de 2025. Por isso, a perspectiva é que a equipe econômica lance mão de medidas adicionais, inclusive pelo lado da receita, com a reversão de desonerações e eventuais aumentos de impostos. Assim, o Brasil poderia voltar a ter superávit a partir de 2019. "Sem dúvida tem de haver um ajuste mais firme para o curto prazo também. É o ponto fundamental para a recuperação no médio prazo", afirma Bruno Lavieri, sócio da 4E. Para Lavieri, a reputação da nova equipe econômica aumenta as chances de que o esforço adicional saia do papel.
HORA DE COMPRAR BRASIL A credibilidade de nomes como o de Meirelles, Mansueto Almeida, secretário de Acompanhamento Econômico, e de Ilan Goldfajn , presidente do Banco Central, somada a uma melhora pontual de alguns indicadores, vem ajudando a sustentar um novo otimismo por parte de empresários, consumidores e do mercado financeiro, mesmo diante da turbulência política e antes da aprovação das reformas no Congresso. "Estamos começando a ouvir mais pessoas a dizer que é hora de comprar Brasil", afirma o presidente da Mastercard, João Pedro Paro. No mercado financeiro, emissões de títulos recentes de empresas como Vale, Cosan e Eldorado Brasil, foram vistas como um sinal do apetite dos investidores por negócios do País. "A segregação da área econômica da política garante que se crie uma nova âncora ao novo governo, que é a volta da racionalidade econômica", afirma Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e estrategista-chefe da Rio Bravo Investimentos.
Restam dúvidas, porém, se as credenciais do time econômico serão suficientes para influenciar as votações do ajuste no Congresso. Para que seja aprovada, a PEC que limita os gastos deve passar por votações em dois turnos no Senado e na Câmara, com aprovação mínima de 3/5 dos parlamentares (veja arte abaixo). A medida também pressupõe outros projetos complementares que devem passar pelo Legislativo, como a reforma da Previdência. "Acredito no poder das boas ideias", afirma Franco. "Em momentos de crise, como o que vivemos hoje, o mundo político quer da área econômica soluções e tende aceitá-las com maior facilidade do que parece." Nos primeiros testes no Congresso, como na aprovação da meta fiscal e da Desvinculação das Receitas da União (DRU), o governo conseguiu aprovar os projetos sem grandes dificuldades. Mas as mudanças que esvaziaram o texto da Lei das Estatais, aprovadas na Câmara na madrugada da quarta-feira 16, indicam o tamanho do desafio.
Os desdobramentos mais recentes da Operação Lava Jato acrescentaram novas incertezas ao ambiente de Brasília. Enquanto o ministro Meirelles falava aos jornalistas sobre a PEC, detalhes da delação do ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, vinham a público implicando 23 políticos, de sete partidos. No acordo com a Justiça, Machado, que é ligado à cúpula do PMDB, cita a participação do presidente Michel Temer num repasse de R$ 1,5 milhão para o então candidato à prefeitura de São Paulo Gabriel Chalita (PMDB-SP). Em pronunciamento convocado em resposta às acusações, Temer rebateu a versão de Machado. "Alguém que teria cometido aquele delito irresponsável que o cidadão Machado apontou não teria até condições de presidir o País", afirmou, classificando a denúncia de "leviana, irresponsável, mentirosa e criminosa". A delação de Machado provocou a queda do terceiro ministro da equipe de Temer.
O peemedebista Henrique Alves (Turismo) classificou seu pedido de demissão como um gesto pessoal, para não "causar constrangimento" a Temer. Alves foi acusado de receber R$ 1,55 milhão em propinas de 2008 a 2014.
As novas denúncias vieram a público enquanto o governo ainda tentava avaliar o impacto de outra baixa no Congresso. Na quarta-feira 15, a Comissão de Ética da Câmara aprovou a cassação do presidente afastado Eduardo Cunha, por 11 votos a 9. Mesmo antes da validação em plenário, a decisão foi encarada com temor em Brasília, por levantar a hipótese de uma possível delação premiada de Cunha. O raio de influência do líder peemedebista na Câmara era estimado em cerca de 200 deputados fiéis e sua ausência criará um vácuo de poder que pode significar mais um obstáculo para aprovação das reformas para destravar a atividade. Por mais que o governo Temer tente priorizar a economia, ainda é a política que vem dando as cartas e roubando a cena nos principais debates do País.
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