CHICAGO — Os povos indígenas da Amazônia podem ter criado deliberadamente solo fértil para a agricultura por milhares de anos.
Em sítios arqueológicos ao longo da bacia do rio Amazonas, trechos misteriosos de solo excepcionalmente fértil pontilham a paisagem. Os cientistas há muito debatem a origem dessa “terra escura”, que é mais escura do que os solos circundantes e mais rica em carbono.
Agora, os pesquisadores mostraram que o povo indígena Kuikuro no sudeste do Brasil intencionalmente criar solo semelhante em torno de suas aldeias. A descoberta, apresentada em 16 de dezembro na reunião da União Geofísica Americana, acrescenta evidências à ideia de que os amazônicos do passado também fabricavam deliberadamente esse solo.
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O fato de o povo Kuikuro fazer terra escura hoje é um “argumento bastante forte” de que as pessoas também faziam isso no passado, diz Paul Baker, um geoquímico da Duke University que não esteve envolvido na pesquisa.
Ao fazer isso, esses primeiros habitantes podem ter inadvertidamente armazenado grandes quantidades de carbono no solo, diz o apresentador do estudo Taylor Perron, um cientista da terra no MIT. A técnica, diz ele, pode fornecer um modelo para o desenvolvimento de métodos de bloqueio sustentável do carbono atmosférico em solos tropicais, ajudando a combater as mudanças climáticas.
Povos indígenas alteram a Amazônia há milhares de anos
O mundo ocidental há muito vê a Amazônia como um vasto deserto que era relativamente intocado antes da chegada dos europeus. No centro desse argumento está a ideia de que o solo amazônico, pobre em nutrientes como outros solos tropicais, impediu seus habitantes de desenvolver a agricultura na escala necessária para sustentar sociedades complexas.
Mas uma série de achados arqueológicos nas últimas décadas – incluindo a descoberta de antigos centros urbanos em áreas amazônicas da atual Bolívia — revelou que as pessoas estavam moldando ativamente a Amazônia por milhares de anos antes da chegada dos europeus (SN: 25/05/22).
A maioria dos cientistas hoje concorda que a presença de terra escura perto de sítios arqueológicos significa que os antigos amazônicos usavam esse solo para cultivar. Mas enquanto alguns arqueólogos argumentam que as pessoas fizeram o solo propositalmente, outros afirmam que a terra escura foi formada por meio de processos geológicos.
Perron e seus colegas revisaram entrevistas com o povo Kuikuro conduzidas por um cineasta Kuikuro em 2018. Essas conversas revelaram que os aldeões Kuikuro fazem ativamente a terra escura – eegepe em Kuikuro — usando cinzas, restos de comida e queima controlada.
“Quando você planta onde não tem eegepe, o solo fica fraco”, explicou o ancião Kanu Kuikuro em uma das entrevistas. “Por isso jogamos a cinza, a casca e a polpa da mandioca.”
Os pesquisadores coletaram amostras de solo ao redor das aldeias Kuikuro e sítios arqueológicos na bacia do rio Xingu, no Brasil. A equipe encontrou “semelhanças impressionantes” entre amostras de terra escura de locais antigos e modernos, diz Perron. Ambos eram muito menos ácidos do que os solos circundantes – provavelmente graças ao efeito neutralizador das cinzas – e continham níveis mais altos de nutrientes favoráveis às plantas.
Terra escura pode armazenar muito carbono na Amazônia
Essas análises também revelaram que a terra escura contém, em média, o dobro da quantidade de carbono que os solos circundantes. Varreduras infravermelhas da região do Xingu sugerem que a área está marcada com terra escura e que cerca de 9 megatons de carbono – as emissões anuais de carbono de um pequeno país industrializado – podem ter desaparecido na área, relataram os pesquisadores em a reunião.
Esse número, embora preliminar, pode aumentar para aproximadamente as emissões anuais de carbono dos Estados Unidos quando toda a terra escura da Amazônia for levada em consideração, diz Perron.
Descobrir quanto carbono é realmente armazenado na Amazônia pode ajudar a melhorar as simulações climáticas. Mas as estimativas dos pesquisadores são uma “extrapolação enorme de um conjunto de dados muito pequeno”, adverte Baker – um sentimento repetido por Perron.
Determinar o verdadeiro valor do carbono armazenado na terra escura da Amazônia exigirá mais dados, diz Antoinette WinklerPrins, geógrafa da Universidade Johns Hopkins, que não participou do estudo. Ainda assim, a pesquisa tem “implicações profundas sobre o passado e o futuro” da Amazônia, diz ela.
Por um lado, a técnica destaca como os povos antigos foram capazes de prosperar na Amazônia desenvolvendo uma agricultura sustentável que funcionava como uma técnica de sequestro de carbono. Com cada vez mais gases de efeito estufa entrando na atmosfera, tornar a terra escura – ou algo parecido – pode ser um método de mitigar as mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, apoiar a agricultura nos trópicos.
“As pessoas no passado antigo descobriram uma maneira de armazenar muito carbono por centenas ou até milhares de anos”, diz Perron. “Talvez possamos aprender algo com isso.”
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