Para celebrar a data, a Agência Brasil ouviu o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto. Conhecida como “controle social na saúde”, a entidade funciona como instância colegiada, deliberativa e permanente do Sistema Único de Saúde (SUS) e tem como missão fiscalizar, acompanhar e monitorar políticas públicas de saúde, levando as demandas da população ao poder público.
Na conversa, Pigatto falou sobre a retomada das conferências nacionais de saúde, consideradas um dos mais importantes espaços de diálogo entre governo e sociedade para a construção de políticas no âmbito da rede pública. O presidente do CNS comentou ainda sobre novas diretrizes para combate e tratamento da tuberculose no Brasil e sobre a construção de protocolos da Rede de Cuidados às Vítimas da Covid-19.
Confira os principais trechos da entrevista:
Agência Brasil – A 17ª Conferência Nacional de Saúde acontece de 2 a 5 de julho em Brasília com o tema Garantir Direitos e Defender o SUS, a Vida e a Democracia – Amanhã vai ser outro dia. Qual a importância da retomada desse tipo de espaço de diálogo?
Fernando Pigatto – Nós realizamos a 16ª Conferência Nacional de Saúde em 2019 num ambiente de muitos retrocessos. Para essa nova conferência, quando fizemos a convocação, em outubro de 2021, estávamos em um momento de país que seguiu – tivemos o triste episódio do dia 8 de janeiro, de retirada de direitos, de ameaças ao SUS, à democracia e à vida. A gente começou a construir essa conferência lá em 2021, mas, agora, estamos em um novo ambiente, com as conferências municipais acontecendo, as estaduais em abril e maio, as conferências livres por todo o Brasil, em um clima de reconstrução.
Ainda precisamos seguir construindo, mas já demos vários passos importantes e essa retomada do fortalecimento dos espaços de participação e controle social são fundamentais para a democracia brasileira, para o SUS, para preservar vidas e recuperar direitos retirados nesse último período.
Agência Brasil – O que são as chamadas conferências livres que o CNS passou a adotar a partir deste ano? Qual o impacto desse formato para movimentos sociais e temas específicos como HIV/aids e população LGBTQIA+?
Fernando Pigatto – Inovamos abrindo 600 vagas para pessoas delegadas de conferências livres. É um espaço onde a gente fortalece a democracia participativa, onde a gente faz com que questões de debates temáticos e questões específicas, que muitas vezes não são acordadas, possam ter um olhar diferenciado. Obviamente que a gente obedece a paridade: são 300 vagas de delegados para o segmento de usuários e usuárias [do SUS], 150 para trabalhadores da saúde e 150 para o segmento gestor e prestador. Estamos tendo várias experiências positivas. Até o dia 10 de maio, todas as entidades, movimentos, coletivos, grupos e instituições podem informar a realização da conferência livre. O prazo de realização da conferência livre vai até o dia 30 de maio. A conferência livre é uma inovação que veio para ficar e, cada vez mais, se aperfeiçoar para o controle social brasileiro se fortalecer.
Agência Brasil – O senhor esteve presente na cerimônia de relançamento do programa Mais Médicos e celebrou o que chamou de controle social novamente incluído nas agendas oficiais do planejamento de saúde. O que significa isso?
Fernando Pigatto – Estamos resgatando a participação, o controle social, os órgãos colegiados, os conselhos, as conferências, com uma força muito grande. Teremos o Plano Nacional de Saúde sendo elaborado a partir dos meses de julho e agosto com a realização da 17ª Conferência Nacional de Saúde. Nós estaremos apontando, dentro das diretrizes e propostas da conferência, aquilo que tem que estar no Plano Nacional de Saúde. Isso significa o a disputa do orçamento pelo controle social, pelas entidades e movimentos que participam das conferências e dos conselhos. Quando não tem nada previsto no orçamento ou quando o orçamento diminui, nós agora vamos lutar para que haja mais recursos, mais orçamento para o Sistema Único de Saúde, assim como todos os demais conselhos e conferências que serão realizadas no próximo período também devem influenciar nos rumos do nosso país.
Agência Brasil – O CNS aprovou recentemente novas diretrizes para o tratamento da tuberculose no SUS. Uma das propostas é a criação de um comitê interministerial. Haverá participação da sociedade civil?
Fernando Pigatto – A gente acredita que esse grupo de trabalho interministerial deverá, sim, ter a presença e, obviamente, a interlocução permanente com o controle social brasileiro e o próprio Conselho Nacional de Saúde. Nós não indicamos para os entes governamentais fazer por nós, dialogar ou debater por nós, definir, decidir por nós. A decisão, a construção, o debate são conosco, com a nossa participação.
Agência Brasil – O CNS vai integrar o chamado Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, responsável por acompanhar ações para o fortalecimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Como vai funcionar isso?
Fernando Pigatto – Nós aprendemos, na pandemia, o quão é terrível nós não temos a soberania garantida. Termos que trazer luvas, máscaras. Termos que correr atrás de vários materiais, vários instrumentos que poderíamos estar produzindo no país. Assim como o conhecimento que a gente produz e que tanto foi atacado no último período.
A ciência foi atacada. Então, nós precisamos resgatar isso. Essa experiência de podermos participar de todo esse debate, da construção, da retomada e do avanço para um complexo econômico industrial que garanta soberania nacional, pra nós, é motivo de muito orgulho. Nós ajudamos a construir essa política. Não é algo que está sendo colocado para nós como se não soubéssemos de nada. Não. Nós ajudamos a construir. Realizamos seminários, lives, uma série de debates.
Agência Brasil – Como o CNS vê a decisão do Ministério da Educação de permitir a abertura de novos cursos de medicina em regiões onde faltam médicos?
Fernando Pigatto – Teremos uma reunião na próxima semana, levaremos para as nossas comissões intersetoriais e, no tempo adequado, após fazermos um debate interno, expressaremos nossa opinião sobre essa questão. Para nós, o fundamental é que a população tenha atendimento de qualidade. Que saúde não seja tratada somente como ausência de doença, mas que exista prevenção. Que os profissionais em saúde entendam a vida, a saúde das pessoas como a integralidade que a gente é, com direito à habitação, ao saneamento, à cultura, à educação, ao transporte, à vida plena. Desde que atendam a esses princípios que são os princípios da universalidade, da integralidade, da equidade que são os princípios do SUS e vão ao encontro daquilo que a gente produz, a gente vai apoiar. Assim como quando houver alguma coisa que for feita, colocada pelo governo em prática e que não esteja de acordo com aquilo que nós defendemos e com aquilo que nós temos de opinião formada, faremos críticas.
Agência Brasil – Em reunião recente com o Ministério Público Federal, o CNS pediu urgência na construção de protocolos da Rede de Cuidados às Vítimas da Covid-19. Quais as recomendações do conselho ao Ministério da Saúde nesse sentido?
Fernando Pigatto – Essa é uma situação, para nós, prioritária. Por termos tido um governo e um Ministério da Saúde que atuaram a favor do vírus, contra as pessoas e chegamos no que chegamos. Além das 700 mil vidas tiradas de nós, muitas sequelas, pessoas órfãs e a covid longa. Essas iniciativas não serão definidas única e exclusivamente pela equipe do Ministério da Saúde. Elas estão sendo debatidas em oficina da Câmara Técnica de Acompanhamento à Covid Com a presença do Ministério da Saúde, da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], da Opas [Organização Pan-americana da Saúde], da Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz], do Conass [Conselho Nacional de Secretários de Saúde], do Conasems [Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde].
Agência Brasil – O que o senhor considera os principais desafios para a reconstrução do SUS pós-governo Bolsonaro?
Fernando Pigatto – Sempre digo que reconstruir é muito mais difícil do que destruir. Colocar uma casa abaixo não é fácil. Mas construir ou reconstruir uma casa que foi destruída é muito difícil. Nós, como temos o compromisso e acompanhamos, criamos propostas, debatemos no grupo de transição, tivemos várias reuniões com ministros, com secretarias nacionais, com equipes do Ministério da Saúde e estamos tendo interlocução também com outros ministérios.
O que a gente quer e tem certeza que vai acontecer é a união de esforços, neste momento da história, para que a gente faça com que todos os retrocessos que aconteceram e que são muitos, para além de reconstruir o que foi destruído, a gente avançar pra construir caminhos novos, construir alternativas novas. Acreditamos muito, como somos do controle social, como somos da participação, que a democracia participativa precisa ser radicalizada e que nós teremos sim grandes desafios.
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