No Ministério da Fazenda, a palavra de ordem que dominou os 100 primeiros dias de governo não foi outra: novo arcabouço fiscal. Originalmente previsto para agosto, segundo a Emenda Constitucional da Transição, o envio ao Congresso das regras que substituirão o atual teto de gastos foi antecipado para abril, a fim de permitir o envio do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 dentro do novo modelo.
Apresentado no fim de março, o novo arcabouço combina uma regra de crescimento de gastos atrelada ao crescimento da receita líquida e uma banda de metas de resultado primário. O texto será concluído até esta terça-feira (11), quando deverá ser enviado ao Congresso.
Até agora, especialistas questionam dois pontos: a necessidade de elevar as receitas para cumprir as metas ambiciosas e o caráter pró-cíclico das novas regras, com o governo gastando menos quando a economia cresce pouco. Nos próximos dias, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciará um pacote para reforçar a arrecadação em até R$ 150 bilhões sem elevar alíquotas, revisão desonerações e tributando setores novos, como o de apostas esportivas.
Em evento recente com representantes do mercado financeiro, Haddad disse que não apenas o arcabouço fiscal, mas também a reforma tributária, são necessários para o país voltar a crescer. “Com o combate às distorções tributárias e a criação de um imposto sobre valor agregado, o país chegará a 2024 com um choque de crescimento, projetando também um cenário internacional mais favorável. Chegaremos até o fim do ano com as reformas necessárias para o Brasil ter crescimento sustentável a partir do ano que vem”, declarou o ministro.
Minipacotes
Antes mesmo do arcabouço fiscal, o governo emitiu sinais de que pretende reduzir o déficit primário (resultado das contas do governo sem os juros da dívida pública), apresentando uma série de minipacotes. Em janeiro, o Ministério da Fazenda apresentou um pacote para reforçar o caixa e reduzir o déficit dos R$ 231,5 bilhões originalmente previstos no Orçamento deste ano para algo em torno de R$ 100 bilhões.
As medidas envolveram a reversão de desonerações decididas pelo governo anterior e principalmente a mudança no sistema de votação do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão que julga recursos administrativos de contribuintes que devem à Receita Federal. O governo pretende arrecadar R$ 73 bilhões apenas com a retomada do voto de desempate do Ministério da Fazenda.
A retomada do sistema de votação no Carf enfrenta obstáculos no Congresso e no Supremo Tribunal Federal. No entanto, em fevereiro, o governo e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) anunciaram um acordo para reduzir as resistências no Judiciário.
Avaliações
Para a professora emérita de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) Virene Matesco, o desenho no novo arcabouço fiscal é razoável. Para ela, o governo conseguiu fazer muita coisa, considerando a falta de informações recebidas do governo anterior durante a transição e a tentativa de golpe em 8 de janeiro.
“Esses 100 dias não foram normais, foram muito tumultuados na questão política. A política fiscal é a mãe de todas as políticas. Se ela não estiver muito bem ancorada, o resto fica solto. A proposta do Haddad é boa, bem desenhada que, se aprovada e cumprida, o Brasil em 2024 já entra com credibilidade”, diz.
Professor do Departamento de Economia e de pós-graduação da Universidade Federal Fluminense (UFF) André Nassif também elogia o novo arcabouço fiscal. “O que temos dúvida é quando a trajetória de crescimento da dívida pública vai se reverter, mas ela vai em algum momento”, acredita. “Tenho impressão de que a questão fiscal está relativamente encaminhada, embora a gente ainda precise ver o projeto de lei.”
Nassif também avalia que os Ministérios da Fazenda e do Planejamento conseguiram fazer muito nos 100 primeiros dias. Ele lembra que, mesmo antes da divulgação do arcabouço, a equipe econômica teve de tomar medidas para elevar a arrecadação e criar espaço fiscal para acomodar decisões do governo.
Impasses
No fim de fevereiro, o governo teve de resolver um impasse em relação aos combustíveis e reonerou parcialmente a gasolina e o etanol por quatro meses. Para evitar que o repasse de preço aos consumidores fosse maior, a Petrobras absorveu parte do reajuste. Para impedir perdas de arrecadação em relação ao plano anunciado em janeiro, o governo taxou, também por quatro meses, as exportações de petróleo cru.
Nestes 100 dias, a equipe econômica também teve de adiar despesas ou arranjar recursos para cumprir medidas decididas pelo governo. Por falta de recursos no Orçamento, o aumento do salário mínimo para R$ 1.320 foi adiado para maio. O dinheiro virá da revisão de cadastros irregulares no Bolsa Família.
O Ministério da Fazenda teve de encontrar soluções para cumprir uma promessa de campanha: a correção da tabela do Imposto de Renda e a elevação da faixa de isenção para R$ 2,6 mil. Os recursos virão da regulamentação das apostas esportivas online, que deverão pagar Imposto de Renda, com as empresas devendo pagar outorgas ao governo.
agencia brasil
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